segunda-feira, 23 de novembro de 2020

 CONTROLE DAS EMOÇÕES VERSUS A INTOLERÂNCIA

Temos observado que ultimamente, a cada dia que passa, o ser humano vem se tornando mais intolerante, com grande dificuldade de controlar suas emoções, principalmente de raiva e ódio, diante de situações conflitivas.
Um triste exemplo disso é o que vem acontecendo com muita frequência em todo mundo, relacionado ao radicalismo mediante às situações de conflitos, seja por motivos banais, seja por causas teoricamente justificáveis. Estes fatos estão cada vez mais sendo noticiados na mídia, mostrando pessoas agredidas e assassinadas brutalmente, muitas vezes por ideologias diversas e banalidades estúpidas, como este caso que assistimos com grande tristeza em Porto Alegre neste ultimo dia 19/11/2020. Neste exemplo, do homem negro morto pelos seguranças de um supermercado, vamos tentar observar o comportamento de todos os envolvidos nesta triste história, e como as pessoas chegam em tamanha brutalidade.
Pensando num contexto de preparo profissional, precisamos entender alguns pontos: Como estas pessoas são preparadas psicologicamente para lidar com situações de conflito e confronto? Que equilíbrio emocional possuem, ou seja, como são contratadas e treinadas pelas empresas que prestam este tipo de serviço?
Normalmente para atividades onde naturalmente é necessário lidar com algum tipo de conflito, ou exposição a fortes emoções, é necessário uma avaliação psicológica para entender a capacidade do individuo e suas reações de acordo com sua personalidade, tendo em vista ser uma tarefa muito difícil que precisa ter muito controle emocional, para proteger o patrimônio e quem ali frequenta. 
Então vale uma observação: Porque estas pessoas não conseguiram controlar suas emoções? Porque não conseguiram impor limites a si mesmo, permitindo-lhes que tal fato ocorresse? E por último, as pessoas que assistiram, filmaram, o que pensavam? O que sentiam naquele momento de sofrimento alheio? Porque não reagiram? 
É importante enfatizar que aqui não cabe julgamentos e sim o entendimento destes comportamentos, de forma mais coletiva e não individual. 
Por isso vamos entender melhor sobre nossas emoções e como elas surgem.
O conhecimento que temos hoje sobre as emoções, derivam de estudos relacionados aos aspectos fisiológicos, psicológicos, socioculturais e cognitivos. Há uma enormidade de conceitos sobre as emoções, alguns concentram-se mais nos processos cognitivos, enquanto outros enfatizam o fisiológico e o social. Mas particularmente acredito que tudo isso esteja relacionado, pois nossa base está no desenvolvimento cognitivo, relacionado às questões fisiológicas, socioambientais e culturais, e é por este motivo, que pessoas com as mesmas condições fisiológicas podem desenvolver comportamentos diferentes de acordo com o meio onde vivem, da forma que são compreendidos e educados, relacionados às necessidades que os envolvem para assim obter o desenvolvimento do seu caráter, dentro de um contexto psicológico.
Indo um pouco mais além, compreendemos como precisamos que todas as emoções estejam presentes em nossa vida para um bom desenvolvimento psicológico. Se alguém nunca assistiu ao desenho "divertidamente", eu o recomendo. 
Vale enfatizar que é necessário prestar mais atenção como cada um reage a cada situação, por isso  vamos entender melhor o significado de cada emoção para saber se estão usando-as de forma assertiva, passiva ou agressiva, tendo em vista que no dia a dia, podemos identificar pessoas que reagem das 3 formas.
Pensando um pouco mais, enquanto ciência, a descoberta do gene, como via de transmissão de caracteres, bem como os avançados modelos da genética molecular, pode-se aceitar as ideias de Darwin, adormecidas por um longo período de tempo, e nesta lógica evolucionista mostram que as emoções possuem duas funções básicas: estratégias reativas à ativação das emoções e a comunicação essencial das espécies sociais. 
Observando os modelos mentais descrito por Edelman (1992), conclui-se que as vias neurais são estimuladas neste precoce processo de categorização dos estímulos, ou seja, a base para lidar com cada emoção é biologicamente ativada de acordo com os estímulos que  são oferecidos. 
Mas, neste momento do desenvolvimento humano, estamos longe de ter consciência habilitada mediadora e interpretativa dos fatos a nossa volta, todavia já registramos nossas ativações emocionais, por isso que muitas vezes as pessoas não conseguem justificar suas reações, e necessitam de autoconhecimento para equilibrar e entender cada situação e reação.
Assim os comportamentos seriam desencadeados por emoções favorecendo a adaptação e a transformação social e pessoal. Dentro deste contexto, muitos podem dizer que sentir raiva é ruim, mas este sentimento, apesar de parecer negativo, também é necessário, por isso é importante entender a função de cada emoção e quando elas podem se tornar patológica, tanto pelo excesso, como pela falta destes sentimentos, como descreverei a seguir.
MEDO: Sua função básica é a preservação da vida, gera o ato de reflexo de luta, fuga ou "freezing", podendo apresentar respostas fisiológicas como: sudorese, taquicardia, visão turva, entre outros, estas reações sensoriais são necessárias para preparar nosso organismo para qualquer situação que este sentimento tenha como proposito.
    Patologia do Medo: 
    Excesso: Fobias e preocupações ao nível de ansiedade generalizada e pânico.
    Ausência: Provoca a impulsividade podendo se colocar em Risco.

RAIVA: Função básica é a proteção de si e do seu território, despertada a partir da percepção de ataque, e socialmente assume a função de preservação.  As espécies sociais evitam, sobremodo o embate em função do risco promovido, porém o sentimento de raiva ajuda no posicionamento para  se impor e colocar limites ao outro sobre possível abuso de se tornar inconveniente, para impedir a invasão de privacidade, promovendo a autonomia e a auto eficácia.
   Patologia da Raiva:
    Excesso: Transtorno explosivo, intermitente, perda de controle, intolerância, possível dano a si              próprio e aos outros;
   Ausência: Dependência, falta de capacidade de impor limites, comprometendo sua autonomia e auto       eficácia.
Neste ponto, vale retomar nosso tema inicial, porque excessos estão surgindo, será que é algo novo, ou sempre estiveram presentes? Estamos observando um nível de descontrole absoluto das pessoas no sentido de não perceber seus próprios limites e o quanto estão se expondo ao risco. A necessidade de defender seu espaço, inclui razões, credos e pensamentos, seja pelo desejo que outros compactue com suas ideias e regras, como vimos recentemente nas redes sociais entre os extremos pensamentos de cunho político. 
A empatia, que é a capacidade de nos colocar no lugar do outro vem sendo reduzida, promovendo sentimentos extremamente egocêntricos,  somados ao medo de perda de algo, seja um objeto, uma pessoa, um lugar, ou uma posição.

O ser humano é a única espécie conhecida, capaz de ser mais sociável, embora outros animais também revelem esta capacidade de viver em em comunidade para proteção do grupo. 
Desde os primórdios, os humanos também perceberam que viver em sociedade pode trazer-lhes benefícios, por serem capazes de utilizar-se das ferramentas funcionais da empatia como: a colaboração, o altruísmo e a compaixão. 

A ausência de empatia acaba por corroer a socialização, e paradoxalmente corrompe uma das características mais adaptativas dos seres humanos - o comportamento social, trazendo a tona mais agressividade e intolerância sem limites. 
Por outro lado, o medo também  não permite o envolvimento das pessoas, que apesar de sentir a dor do outro, não se envolvem por receio do comprometimento que isto poderia lhe causar, e também é uma forma de proteção de si e de quem precisa proteger, preferindo ignorar o que acontece a sua volta. 
A falta ou excesso de empatia, também gera julgamentos incorretos da situação observada, tanto de forma positiva como negativa, não permitindo o envolvimento.
Mas outras emoções, quando desequilibradas, também podem causar danos às pessoas, podendo inclusive levar dificuldades na demonstração e percepção de outras emoções.
Então vamos seguir falando do sentimento de tristeza. 

TRISTEZA: esta emoção é uma das manifestações da necessidade de cuidado e de atenção, lançada ao meio ambiente em direção aos que os cercam. Na medida saudável permite a reflexão, ativando o processamento metacognitivo para avaliar condutas, objetivas e direcionamento de metas, bem como o entendimento de nossas perdas.
         Patologia da Tristeza:     
        Excesso: Depressão, que leva o individuo a estagnar-se, criar dependências, podendo em situações        extremas, criarem alterações drásticas da realidade, e desregular-se totalmente a ponto de                       não ver sentido  em sua vida, e neste caso alterando a prerrogativa biológica do ser humano da                autopreservação.
        Ausência: Pode estar associado ao estado de mania de baixa ativação metacognitiva, podendo ser            uma forma de defesa e evitação do sofrimento.

ALEGRIA: Já a alegria, o oposto da tristeza, serve como equilíbrio contra as emoções desagradáveis, reforça fortemente os vínculos sociais, fomentando a socialização permitindo um ganho bilateral de interações sociais positivas.
      Patologias da Alegria;   
      Excesso: associados a casos de Mania ou mecanismos de defesa para o não sofrimento;   
      Ausência: Refere-se a presença de humor rebaixado representado pelo estado depressivo                          maior, necessitando de tratamento farmacológico, assim como o excesso.

AMOR: Esta emoção está fortemente ligada ao apego, com funções importantes adaptativas transformando-se em vínculos afetivos. É através da função do sentimento de amor que podemos ter várias possibilidades de expressão com diferentes valências, que serve para reproduzirmos e cuidarmos adequadamente de coisas e pessoas - (filhos, pais, parentes, amigos, cônjuge, animais, objetos, etc...) e a partir desta emoção é que derivam várias formas de gostar, pois tudo o que gostamos envolve algum tipo de apego afetivo, em maior ou menor valência, (incluindo as pessoas e objetos), este sentimento permite a plasticidade social, podendo potencializar o sentimento de alegria.
        Patologias do Amor:
        Excesso: As doses elevadas de amor, pode não promover o treino da tolerância à frustração por             não instigar a autonomia e a auto eficácia (ciúmes e sentimento de posse);
        Ausência: A ausência e as doses baixas, não promovem o desenvolvimento da empatia e da                     socialização, em razão da falta do senso de proteção.
NOJO: Por fim o sentimento de nojo ou repugnância, também tem sua importância neste contexto, deriva da necessidade de evitarmos nossa contaminação com coisas deterioradas ou estragadas a fim de nos proteger com relação a nossa saúde, podendo também gerar reações fisiológicas de rejeição, como vômitos, sendo esta uma reação do nosso organismo para expulsão daquilo que se acredita estar contaminado. 
Mas este sentimento também está relacionado ao comportamento de repulsa e rejeição referente às questões interpessoais, corporais e morais, sendo ele muito influenciado por questões  culturais de repulsa devido à conduta de pessoas que entendemos não estar de acordo com o que se acredita e se deseja.
    Patologias do Nojo:
    Excesso: Pode estar associado ao Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e nos casos relacionados     às questões socioculturais, podem causar graves patologias mentais de interação social;
    Ausência: Está relacionado a impulsividade e a falta de discriminação do que deve ser repelido,             podendo colocar sua vida em risco.

Resumindo, observa-se que todas as emoções são importantes, desde que equilibradas, para nosso bom desenvolvimento psicológico. A falta deste equilíbrio, leva  as pessoas a comprometerem sua própria vida. A diminuição do sentimento de AMOR, mostra a dificuldade atual de sentir empatia, e desta forma acaba por impedir que os demais sentimentos se desenvolvam de forma adequada.
Este é um momento de alerta, pois mostra que as pessoas precisam reaprender o significado dos seus sentimentos e a base da socialização saudável no desenvolvimento da resiliência, que é uma característica muito importante para as espécies sociais.
As emoções servem ao fim adaptativo de estratégias de sobrevivência e comunicação nas espécies sociais, sendo assim, concluímos que todos os serem humanos nascem com um conjunto básico de emoções, que mencionamos acima - Medo, Raiva, Alegria, Tristeza, Amor e Nojo.
Assim podemos entender que questões sociais estão fortemente ligadas a falta de empatia e a discriminação estruturada vivenciada em nosso meio, porém, devemos e podemos nos monitorar e observar como estamos lidando com estes sentimentos tão importantes para vivermos bem em sociedade.
A empatia é uma característica inata do ser humano, assim como de muitos outros animais que dependem de estímulos ambientais pela sensibilidade da intervenção com o meio, tanto para o aumento como para a redução da expressão dessa capacidade. As funções correlacionadas a empatia , já mencionadas acima, são as que realmente mostram este valor e que se fazem muito necessárias:
Cooperação - é a ajuda promovida a alguém ou algum organismo, mas para isto é necessário a percepção desta necessidade para cooperar;
Altruísmo - é a capacidade que as espécies possuem de se colocar em risco no intuito de ajudar o próximo, e a reciprocidade deste comportamento ajuda a estabilizar e a manter a harmonia e o senso de proteção em grupos sociais;
Compaixão - Capacidade de amenizar o sofrimento físico e psicológico em outrem.
Todas estas funções s]ao encontradas na natureza de diversas espécies, além dos humanos, e parece que nós precisamos reativar estas funções para vivermos melhor em sociedade.


FONTE: 
Baralho da regulação e proficiência emocional - Editora Synopsys - Renato M. Caminha e Marina G. Caminha
Imagens do filme Divertidamente